5 de Setembro de 2022 Robert Bibeau
Por Khider Mesloub.
A primeira
parte deste texto foi publicada em: https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2022/08/a-republica-social-jacobina-torpedeada.html
Além disso, é da maior importância especificar que a Constituição de Junho
de 1793 consagra nas suas leis o Direito à Insurreição, reconhecido como um meio legítimo para
que o povo exerça o controlo sobre os seus representantes eleitos. O povo tem o direito
de insurreição em caso de traição dos seus principais representantes. Assim,
através das suas comunas populares, as pessoas exercem democraticamente o
controlo directo do Estado. Este poder de controlo, as pessoas não deixam de
aplicá-lo. Assim, em 31 de Maio e 2 de Junho de 1793, 80.000 populares (sans-culottes)
invadiram a Assembleia Nacional, acusada de usurpar a soberania popular. Em todo o caso, se
1789 consagrou a igualdade formal perante a lei, 1793 consagrava a verdadeira
igualdade, não fosse a contra-revolução termodiana criada por uma burguesia reaccionária
revanchista e vingativa.
Ainda hoje, alguns
proclamam que a Constituição
de Junho de 1793, aprovada pelos autênticos revolucionários jacobinos, continua a ser a
mais democrática de todas as Constituições promulgadas há mais de dois séculos.
Reconhece o direito ao trabalho, concede o direito de voto aos estrangeiros,
bem como o seu direito de se candidatarem à eleição. Além disso, estabelece o
direito de socorro (seguro) e outras medidas sociais de protecção (este será o
tema da nossa próxima contribuição).
É esta forma de democracia social e directa
que os termidorianos resolveram com guilhotina. Com efeito, no
rescaldo do derrube dos Jacobinos em 9 Thermidor 1794, esta soberania
comunitária, inaceitável para as classes possuidoras, será gradualmente
reduzida a nada. A autonomia do seu poder de decisão e da sua força armada
pulverizada pelos novos líderes burgueses termidorianos vingativos. O objectivo
dos termidorianos é aniquilar estes embriões de democracia directa que surgiram
sob a Revolução. Um dos novos representantes burgueses termidorianos,
conscientes do poder da força do povo, não se engana quando acusa a
Constituição de 1793 de "pôr o ceptro nas mãos das sociedades populares" e de "fazer da França um povo constantemente
deliberativo". A burguesia não gosta de ver o povo deliberar. Libertado da sua
escravidão política. Porque sabe que a palavra do povo é revolucionária, ou
seja, trabalha para defender exclusivamente os seus interesses. Isto implica
automaticamente a supremacia do poder de decisão do povo. E consequentemente, a
subordinação, depois o despejo, finalmente a abolição da burguesia como classe
dominante. É por isso que a burguesia se recusa a conceder poder deliberativo
ao povo. Daí a necessidade imperiosa de que o "povo", hoje encarnado
pelo proletariado mundial, aproveite o poder, incluindo à força, para impor o
seu programa político, para defender os seus únicos interesses socio-económicos
necessariamente antagónicos com as classes burguesas, numa perspectiva de ruptura
radical com o capitalismo.
Assim, onde as comunas populares consideram que "a nação realmente
desdobra as suas forças apenas em momentos de insurreição", os termidorianos
consideram "anárquica" qualquer iniciativa popular que não tenha sido
previamente legalizada pelos poderes estabelecidos (elitistas burgueses).
Basicamente, a concepção da governação
diferencia radicalmente os jacobinos dos termidorianos. Para os jacobinos, a
conflituosidade está no centro da sua política. Os jacobinos consideram que a
República se constrói essencialmente na luta contra os inimigos do bem comum:
os nobres, os aristocratas, os financiadores, os ricos. Para os
jacobinos, esta política de confrontos de classes é salutar, porque fortalece a
consciência patriótica, reforça a vitalidade democrática, trabalha para
erradicar as desigualdades sociais. É animado por este espírito que Saint-Just
não hesita em escrever: "É pouco mais do que pela espada que a liberdade de um
povo é fundada." Por outras palavras, só por força colectiva violenta legítima é que
o povo (o proletariado) deve impor o seu poder, defender a sua liberdade,
contra os seus inimigos de classe determinados a perpetuar o seu domínio, o seu
despotismo.
Para consolidar o seu
novo poder ainda em chamas pela luta de classes, uma vez instalados no controlo
do Estado, os termidorianos começaram a construir uma ideologia consensual que
supostamente apaziguaria os antagonismos sociais. Esforçam-se por propagar uma
política colocada sob o sinal do apagamento das clivagens ideológicas e dos
conflitos sociais. Esta abordagem baseada num compromisso social ilusório é
ilustrada pela afirmação de um dos termidorianos, formulada sob a forma de uma
exortação encantatória: "Que tudo o que é a opinião, do realismo ao exagero dos
Jacobinos, seja esquecido para sempre". (Esta é a aplicação podrômica da política
interclassista querida aos reformistas dos partidos oficiais socialistas e
estalinistas, amplamente empregados e generalizados ao longo do século XX.)
Para isso, defendem os termidorianos, de forma a permitir a estabilização
do país "demasiado tempo sujeito a convulsões sociais", a adopção de
uma política favorável ao desenvolvimento económico. A solução reside, segundo
os termidorianos, no livre desenvolvimento do comércio, permitindo o
enriquecimento de cada um e, portanto, a felicidade de todos. Tradução: na
verdade, o enriquecimento dos burgueses funcionou sozinho num clima social de
subjugação total das pessoas acorrentadas pela ideologia da colaboração de
classes defendida pelo poder estabelecido, a fim de garantir o seu domínio, a
sua tranquilidade, a sua sustentabilidade. Dois séculos depois, em todo o lado,
da Venezuela à Grécia através da França e da Rússia e da China, as classes
dominantes estão a espalhar o mesmo discurso consensual da concórdia política,
da pacificação das relações sociais, para perpetuar o seu domínio, a sua
exploração, a sua opressão.
Politicamente, descaradamente e provocatoriamente, os termidorianos não
hesitam em proclamar que só uma elite é capaz de manter o poder. Porque domina
os mecanismos da economia (implicava uma economia gerida no interesse da sua
classe). Assim, os termidorianos apressaram-se a instituir a república da elite
contra a do povo, estabelecida durante o período revolucionário jacobino.
Hoje em dia, nada mudou. Só semântica. É a república dos especialistas. A
perícia é a prova do seu domínio dos mecanismos de gestão política e económica,
justificando e legitimando o seu domínio, e consequentemente a exclusão do
proletariado não educado, impróprio para governar um país, um Estado, uma
empresa, uma administração. Não vamos confiar as rédeas do poder aos
"incapazes". Não mantiveram o mesmo discurso para os povos
colonizados, para as mulheres, estes "seres inferiores" mantidos
durante séculos em servidão, convencendo-se da sua "incapacidade
congénita" de se emanciparem do domínio dos seus mestres, de se libertarem
da tutela colonial ou paternalista para se governarem livremente. No entanto, a
escravatura, o colonialismo e a escravidão das mulheres foram aniquilados,
abolidos. O que espera o proletariado para se libertar da sua escravidão?
Inevitavelmente, a história cuidará de forçá-lo a cumprir a sua histórica
missão de emancipação para construir uma sociedade humana universal livre de
exploração e opressão.
Uma consequência
lógica desta abordagem termidoriana da política: o sufrágio universal foi
abolido na Constituição de 1795, substituído por sufrágio censitário. O direito
de voto está condicionado à posse de bens, isto é, apoiado pela riqueza. Um
líder termidoriano, assegurado pelo seu poderoso domínio desde a contra-revolução,
não hesita em declarar "que só os homens com propriedade estão aptos a
governar" (pelo menos os burgueses da época eram mais sinceros na sua tirania,
ao contrário dos burgueses contemporâneos que nos fazem acreditar que somos um
"povo livre" no meio da ditadura capitalista).
A partir daí, no rescaldo da contra-revolução termidoriana, a república
perdeu o seu carácter popular. Torna-se fundamentalmente aristocrático
novamente. A economia popular é rejeitada, substituída por um liberalismo
económico escandaloso, explorador, colonizador, escravo. Face às desigualdades
sociais, a redistribuição forçada da riqueza deixou de ser a solução social
adequada.
Do lado político repressivo, um dia depois do golpe de Estado termidoriano,
o Terror Branco foi inaugurado. Clubes da oposição e jornais estão fechados. Activistas
e elementos populares (sans-culottes) são presos e guilhotinados, outros são
forçados a esconderem-se. A maioria dos prisioneiros contra-revolucionários
encarcerados ao abrigo da Convenção de Montagnard (ultra-monárquicos,
federalistas, monopolizadores) foram libertados. Os funcionários públicos são
despedidos. Esta é uma verdadeira limpeza política.
Em termos de instituições, a Convenção Termidoriana, baseada numa política
elitista, estabeleceu a República dos Possuídos. O poder executivo foi retirado
dos órgãos do poder revolucionário (Comité de Segurança Pública, Comité de
Segurança Geral e Tribunal Revolucionário) para ser confiado às mãos de três
directores, e depois ao Diretório. É a inauguração da era do domínio indiviso
dos possuidores sobre a vida política, da exclusão da grande maioria da
população do direito de voto e de se candidatar à eleição. Leis consideradas
demasiado "sociais" são revogadas.
Esta política anti-social levou a duas insurreições em 1795. Com efeito, o
povo, sob o controlo da fome, recusando a supressão dos seus direitos
democráticos, revoltou-se. Exigiu "pão e a Constituição de 1793". Os
líderes do movimento insurreccional foram presos e guilhotinados. A capital
está sob vigilância policial e militar.
Sem dúvida, estes movimentos de revolta ilustram a deterioração das
condições de vida do povo. Graças à política social do Estado aplicada ao
abrigo da Convenção de Montagnard, em particular a lei dos preços máximos, os sótãos
da abundância, as requisições forçadas, os Montagnards tinham sido capazes de
conter a fome. No entanto, graças à reacção termidoriana, registada pela
restauração do liberalismo económico, o povo é brutalmente precipitado em
absoluto empobrecimento. A política social baseada no direito à existência,
querida a Robespierre, está definitivamente enterrada. Os grãos de abundância e
as requisições forçadas de cereais são suprimidos. A lei dos preços máximos
votada pela Convenção da Montanha é revogada. Esta política liberal entrega as
necessidades básicas à especulação e as pessoas à fome. A fome dizima milhares
de pobres, especialmente em Paris. Curiosamente, como hoje em dia com o aumento
especulativo da inflacção, a fome é orquestrada pelos novos governantes da
classe média alta. A restauração da Bolsa de Valores em 1795 acentuou a
especulação.
Graças ao restabelecimento do comércio internacional, as exportações de
trigo são relançadas, causando uma escassez em França. Esta escassez é
exacerbada pela monopolização do trigo e da farinha pelo exército que agora se
dedica a guerras de conquista. As primeiras expedições militares foram lançadas
em Dezembro de 1794. A Bélgica, a Renânia e a Holanda estão ocupadas. Estas
guerras de conquista iniciaram-se na era dos saques para reabastecer os cofres
do Estado e enriquecer os poderosos.
Na realidade, como
hoje em dia com os preparativos para a guerra generalizada, as guerras termidorianas
de conquista permitem aos novos governantes conceder a exigência dos Girondins de 1792 para "fazer com que os milhares de
homens que temos armados andem até onde as suas pernas os levem para evitar que
voltem para nos cortar a garganta". como afirmado pelo Ministro do
Interior Roland, um apoiante dos Girondins. Por outras palavras, a
guerra burguesa externa é o melhor antídoto para a guerra social interna,
especialmente em tempos de crise económica aguda.
De acordo com os novos
mestres do poder ditatorial aristocrático burguês, como forma de política
social, basta apelar ao "sentimento de fraternidade dos ricos". Só a comunhão
fraternal entre ricos e pobres é capaz de corrigir as desigualdades sociais. De
facto, os termidorianos esforçam-se por defender uma política de reconciliação
nacional, de colaboração de classes. Ainda em vigor, dois séculos depois.
De facto, contrariamente à república social aplicada durante o domínio
político jacobino, materializada pela repressão da especulação, pelo
congelamento dos preços, pela apreensão dos bens dos ricos e, em especial, pela
redistribuição da riqueza aos cidadãos pobres, a república termidoriana começou
imediatamente a restabelecer uma economia liberal favorável apenas às classes
privilegiadas. Assim, no rescaldo da tomada de poder pelos termidorianos, a
nova Assembleia Nacional pôs fim ao sistema de economia de comando e
redistribuição social (decididamente, sob o capitalismo, a reprodução e
renovação das mesmas políticas anti-sociais reaparecem, como uma doença, em
todas as eras e em todos os países). O regime termidoriano adoptou muitas
reformas liberais favoráveis às classes possidentes (outra patologia recorrente
que atormenta o corpo social há dois séculos).
Em geral, estas medidas reaccionárias mergulharão o país numa miséria
extrema. Causando tensões sociais agudas. Uma vez que o povo é removido do
poder, despojado da base política, as classes ricas esforçam-se por impor uma
política económica favorável aos seus interesses. A era termidoriana marca o
regresso em força das classes burguesas e aristocráticas privilegiadas, o
início de uma verdadeira mudança de paradigma político (ainda semelhanças com a
nossa era marcada pelo regresso em força (e da força) das políticas económicas
actualmente implementadas pelos governantes em benefício dos ricos).
Este é o triunfo do liberalismo desenfreado. A soberania do povo é
definitivamente limitada, eliminada, expulsa do poder (até agora).
« Os
maiores criminosos da história são aqueles que matam em silêncio, aqueles que
organizam a miséria dos povos em benefício dos mais ricos com a cumplicidade
dos Estados; os assassinos legalizados que exportam fome, guerras e dívidas
ilegítimas." Guillaume Prevel.
Khider MESLOUB
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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