4 de Junho de 2023 Robert Bibeau
Por Marc Vandepitte. Sobre Mondialisation.ca
Kissinger é uma das vozes mais importantes da política externa americana. É um homem da linha dura e, sem dúvida, um criminoso de guerra. Esteve directamente envolvido no golpe de Estado de 1973 no Chile e também na brutal guerra do Vietname. Portanto, é tudo menos um pacifista. No entanto, em questões geoestratégicas fundamentais, como a China e a Ucrânia, está num comprimento de onda diferente do dos actuais belicistas da elite americana. Vale a pena considerar os argumentos desta importante voz dissidente no seio do establishment.
Rumo a um
confronto entre EUA e China?
Para assinalar o seu centenário, Kissinger deu uma longa entrevista ao The Economist. Nela, expressa a sua
profunda preocupação com a actual situação mundial e, mais particularmente, com
um possível confronto entre as duas superpotências de hoje: os Estados Unidos e
a China.
Segundo ele, "os dois lados convenceram-se de que o outro representa um perigo estratégico". Pequim chegou à conclusão de que os Estados Unidos farão tudo para manter a China em baixo e nunca os tratarão como iguais. Em Washington, pensa-se que a China quer suplantar os Estados Unidos como líder mundial.
Kissinger ficou particularmente alarmado com a crescente competição entre
as duas superpotências pela superioridade tecnológica e económica. Teme que
esta rivalidade seja alimentada pela inteligência artificial.
O autor observa que o equilíbrio de poder e a base tecnológica da guerra estão a mudar muito rapidamente. Consequentemente, já não existe um princípio fixo com base no qual as nações possam criar ordem. E se não conseguirem encontrar essa ordem, podem recorrer à violência.
Segundo Kissinger, "estamos na
situação clássica anterior à Primeira Guerra Mundial, em que nenhum dos lados
tem muito espaço para concessões políticas e qualquer perturbação do equilíbrio
pode ter consequências catastróficas". A diferença é que, no actual
conflito, estamos numa situação de "destruição mútua assegurada".
O destino da humanidade depende do acordo entre os Estados Unidos e a China. E o tempo está a esgotar-se. Dado o rápido progresso da IA e as suas potenciais aplicações militares, acredita que só temos cinco a dez anos para encontrar uma forma de nos entendermos.
Diplomacia
Não é exactamente um pensamento feliz. Mas Kissinger não é um profeta da
desgraça. O medo da guerra dá-nos razões para ter esperança. Ele acredita que
ainda é possível a China e os Estados Unidos coexistirem sem a ameaça de uma
guerra total, mesmo que o sucesso não seja garantido.
A sua vasta experiência mostra-lhe que a diplomacia determinada é a única forma de evitar um conflito desastroso. Idealmente, isso é feito com base em valores partilhados. Está convencido de que é possível criar uma ordem mundial baseada em regras às quais a Europa, a China e a Índia possam aderir.
As negociações entre as duas superpotências podem ajudar a criar confiança mútua. Esta confiança conduzirá depois à contenção de ambas as partes. Devemos, portanto, negociar em vez de chegar a extremos num confronto, porque "se confiarmos apenas no que podemos obter pela força, arriscamo-nos a destruir o mundo".
Uma
compreensão correcta da China
Kissinger alerta para a necessidade de não interpretar mal as ambições da
China. Na sua opinião, o gigante asiático "não está a procurar o domínio mundial no sentido hitleriano do termo.
Não é assim que eles pensam ou alguma vez pensaram a ordem mundial". A
guerra era inevitável para a Alemanha nazi, porque Adolf Hitler precisava dela,
mas não para a China.
Para ele, o sistema chinês é confucionista, o que significa que os dirigentes não procuram dominar, mas sim alcançar o máximo de poder de que o seu país é capaz. Procuram também ser respeitados pelas suas realizações.
Kissinger considera que a atitude de tudo ou nada dos Estados Unidos em relação à China é perigosa. Se os EUA querem encontrar uma forma de viver com a China, não devem procurar uma mudança de regime.
O colapso de um regime comunista conduziria a uma guerra civil para 1,4 mil milhões de pessoas e só aumentaria a instabilidade mundial. "Não é do nosso interesse dissolver a China", afirmou Kissinger.
Taiwan e IA
Kissinger vê duas áreas em que os EUA e a China podem negociar para
promover a estabilidade mundial: Taiwan e inteligência artificial.
Em primeiro lugar, Taiwan. Kissinger foi o arquitecto da aproximação entre
os Estados Unidos e a China na década de 1970. Durante essas discussões, Taiwan
foi um dos temas importantes. Mao Zedong, o líder da China na altura, disse que
a questão deveria ser deixada por resolver durante 100 anos. Os Estados Unidos
reconheciam que Taiwan fazia oficialmente parte da China, mas Pequim não
tentaria anexar a ilha pela força.
Segundo Kissinger, Trump quebrou este acordo forjado entre Nixon e Mao ao
fim de apenas 50 anos. Ao atacar Taiwan, Trump queria obter concessões
comerciais da China. Biden está a seguir com uma retórica mais polida.
Kissinger considera que não é sensato os Estados Unidos envolverem-se em Taiwan, porque uma guerra como a que se regista actualmente na Ucrânia destruiria a ilha e devastaria a economia mundial.
A segunda área em que as
duas superpotências precisam de falar é a inteligência artificial.
"Estamos no início de uma capacidade em que as máquinas podem impor uma praga mundial ou outras pandemias, não
apenas nucleares, mas em qualquer área de destruição humana".
Kissinger acredita que a inteligência artificial se tornará um elemento importante no domínio da segurança nos próximos cinco anos. Tal como a imprensa escrita desempenhou um papel nas guerras devastadoras dos séculos XVI e XVII, a IA terá o potencial de causar estragos.
Para reduzir a ameaça das armas nucleares, a União Europeia e os Estados Unidos negociaram, na altura, o controlo dos seus arsenais. Temos de fazer o mesmo com a IA: "Penso que temos de começar a falar uns com os outros sobre o impacto da tecnologia. Temos de dar pequenos passos no sentido do controlo das armas, apresentando uns aos outros documentos verificáveis sobre as capacidades.”
Ucrânia
Para Kissinger, a invasão da Ucrânia pela Rússia foi "um erro catastrófico de julgamento por parte de
Putin". Mas o Ocidente também é culpado. "Penso que a decisão de deixar em aberto a adesão da Ucrânia à NATO foi
muito má". Foi desestabilizadora. Havia uma promessa de protecção da
NATO, mas não havia qualquer plano para a concretizar. A Ucrânia ficou assim
vulnerável, o que levou a Rússia a intervir.
Kissinger tem um
fraquinho pela proposta de paz da China. Embora este plano não tenha sido
levado a sério no Ocidente, Kissinger viu-o como uma intenção séria que poderia
certamente complicar a diplomacia em torno da guerra, mas que também poderia
proporcionar precisamente a oportunidade de construir a confiança mútua de que
as grandes potências precisavam.
Segundo Kissinger, os chineses estão a falar a sério porque têm interesse em ver a Rússia sair ilesa da guerra. Acredita também que, na sequência do telefonema entre Xi e Zelensky, a China desempenhará o papel de mediador entre a Rússia e a Ucrânia.
Os pontos fortes do plano: a China reconhece que a Ucrânia deve permanecer
um país independente e adverte contra o uso de armas nucleares. Além disso, não
está sequer fora de questão que Pequim aceite a adesão da Ucrânia à NATO.
Kissinger quer acabar com a guerra rapidamente. Para conseguir uma paz
duradoura na Europa, o Ocidente deve, na sua opinião, dar provas de grande
imaginação.
Em primeiro lugar, a
Ucrânia deve aderir à NATO. O objectivo é proteger o país, mas também mantê-lo
sob controlo. A situação actual é perigosa: "Armámos a Ucrânia de tal
forma que será o país mais bem armado e com menos experiência estratégica da
Europa.
Em segundo lugar, a Europa deve aproximar-se da Rússia e empenhar-se na criação de uma fronteira oriental estável. Tem de haver uma nova estrutura de segurança na Europa Central e Oriental, na qual a Rússia também deve ter um lugar.
Media e
política
Kissinger não é brando com os meios de comunicação social e o mundo
político. Não aprecia o julgamento dos meios de comunicação social, que já não
têm sentido das proporções.
Quando ele ainda estava no poder, a imprensa era-lhe hostil, mas continuava a haver diálogo. Actualmente, não têm razões para serem críticos. "O meu comentário é sobre a necessidade de equilíbrio e moderação.”
Mas é sobretudo na política que as coisas estão a correr mal neste momento. Quando ele estava no poder, havia relações amigáveis com os líderes do outro partido. Os adversários políticos eram tratados com decência. Hoje, qualquer meio é suficiente para derrubar um adversário político.
Trump e Biden alimentaram fortemente a polarização. Kissinger teme que isso possa levar à violência. Os Estados Unidos carecem de liderança: "Não creio que Biden possa ser uma fonte de inspiração e (...) espero que os republicanos encontrem alguém melhor. Este não é um grande momento da história".
Os Estados Unidos precisam desesperadamente de um pensamento estratégico a longo prazo: "Este é o grande desafio que enfrentamos. Se não o fizermos, as previsões de fracasso tornar-se-ão realidade.”
Marc Vandepitte
A fonte original deste artigo é Mondialisation.ca
Direitos autorais © Marc
Vandepitte, Mondialisation.ca, 2023
Fonte: Kissinger explique comment éviter une troisième guerre mondiale (sic) – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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