domingo, 30 de junho de 2024

A gestão não é neutra

 

Nem carne para patrão
Nem saco de porrada

 30 de junho de 2024  ROBERT GIL  

Pesquisa realizada por Robert Gil

Em "Libre d'obéir", publicado pela Gallimard, Johann Chapoutot mostra que a gestão não é neutra. Foi Bad Harzburg, um antigo oficial das SS que terminou a guerra com a patente de Oberführer (general), que criou, após a guerra, um instituto de formação em gestão que, ao longo de décadas, acolheu a elite económica e empresarial da República Federal da Alemanha: graças aos seus seminários e aos seus numerosos manuais de sucesso, mais de 600.000 gestores das principais empresas alemãs aprenderam a organizar o trabalho hierarquicamente, definindo objectivos, mas tendo a liberdade de escolher os meios para os atingir. A partir da década de 1980, outros modelos se impuseram no que respeita à forma de "gerir" homens e mulheres para obter a máxima rentabilidade.

Do paternalismo à gestão fria que lisonjeia os egos, existem vários tipos. Aqui, vou falar-vos de uma forma particularmente perniciosa. Para recordar, as técnicas de gestão postas em prática na France Telecom levaram 58 pessoas (1) a cometer suicídio. O assédio tornou-se um método de gestão, isolando os indivíduos, retirando-lhes os seus pontos de referência, retirando-lhes os seus hábitos para depois os reformular de acordo com os novos métodos da empresa. Um sistema que utiliza mal as palavras e manipula o subconsciente dos trabalhadores. Os assalariados, essas variáveis de ajustamento, tornam-se colaboradores, e os planos de despedimento tomam o nome bonito de planos de protecção do emprego. Estamos na era da comunicação instantânea, com e-mails frios e impessoais e sem educação. Este sistema de comunicação urgente obriga o pessoal a ser mais reactivo, a fazer menos perguntas e, muitas vezes, a passar ao lado dos quadros intermédios.

A reestruturação dos departamentos, colocando os funcionários uns contra os outros e em concorrência entre si, permite suprimir as pausas na máquina de café ou as conversas na fotocopiadora, sob o pretexto de um pseudo ambiente de convívio. A nossa taxa de produtividade é uma das melhores do mundo (2),mas isso não é suficiente para os accionistas. Temos de produzir a 100%; as pequenas pausas que nos permitiam relaxar são agora uma coisa do passado. Quando os assalariados atingem o ponto de saturação, a depressão está à espreita, podendo mesmo levar ao suicídio! Se, antes de se suicidar, o empregado "matasse" duas ou três pessoas da direcção responsáveis pela situação, o problema seria levado muito mais a sério. Mas enquanto forem apenas os assalariados mais baixos a morrer, sejam eles chefes ou operários, somos todos subalternos do sistema! Todos os trabalhadores precisam de reconhecimento, segurança e comunicação, bem como de compreender o que fazem. Em vez disso, tudo é feito para os fazer perder a sua dignidade e tornar o seu futuro inseguro através de chantagem constante. É preciso ser o melhor no seu trabalho ou então... Neste contexto, os chefes mesquinhos e sem estatura podem fazer emergir os seus piores instintos antes de serem eles próprios esmagados pelo sistema.

Aquando de uma reestruturação, as empresas de consultoria ou de auditoria alertam para o facto de não se dever sobrestimar a fase de revolta do trabalhador e que, após um período de depressão, este aceitará a mudança. Estes especialistas recomendam também a técnica da "consulta" nas empresas. Para dar a impressão de que estão a ouvir, os gestores podem pedir aos chefes, ou por vezes a todos os trabalhadores, que exprimam as suas opiniões. Mas esta abordagem destina-se a dar a ilusão de consulta, dando esperança, e depois a desperdiçar a energia da maioria dos participantes, porque no final o plano elaborado pela direcção será implementado. Estas reuniões servem também para eliminar as "ovelhas negras"; aqueles que não se enquadram no modelo e que correm o risco de contaminar os seus colegas serão objecto de um tratamento especial, e as técnicas de isolamento, perseguição e punição serão amplamente utilizadas.

Algumas empresas são verdadeiras zonas de exclusão, com a destruição do código do trabalho e a degradação das condições de trabalho que colocam os trabalhadores sob pressão constante  (3). O que não aceitaríamos na vida quotidiana, suportamo-lo no trabalho. Vendemo-nos dia após dia por um salário que por vezes apenas nos permite sobreviver, em condições humanas e sociais muitas vezes deploráveis. Sem trabalhadores, nenhuma empresa pode funcionar, embora as empresas funcionem sem patrões, como provam as cooperativas de trabalho, as scoops e as várias experiências de autogestão. Infelizmente, o sistema capitalista não gosta de contra-modelos e, se a experiência ganhar força, tentará miná-los de uma forma ou de outra. Não pode permitir que os "maus alunos" prosperem, porque isso pode dar ideias a outros.  O que nos falta é a vontade e a audácia. Pensam que nos domesticaram de vez! Para isso, endividam-nos, emburrecem-nos com a sua televisão e os seus programas que nos entorpecem a mente e falam-nos incessantemente de insegurança... É mesmo tempo de agir!

Livros de Sensibilização do Cidadão para descarregar gratuitamente


OBSERVAÇÕES

(1) Edições Législatifs, 23/04/2019, "Suicídios na France Telecom: os sindicatos aguardam o reconhecimento do assédio moral generalizado". (2) Le Monde, blogue de Thomas Piketty, 05/01/2017 "Produtividade em França e na Alemanha". (3) Novethic.fr, em 16/03/2023, "Saúde mental: um em cada dois trabalhadores em situação de sofrimento psíquico".

 

Fonte: Le management n’est pas neutre – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




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