Por Khider Mesloub.
Desde há alguns dias, após a dissolução calculada de Macron da Assembleia
Nacional, no campo da esquerda reformista empenhada numa campanha eleitoral
virulenta e precipitada para "impedir a vitória da extrema-direita"
(sic), "barrar o caminho ao fascismo" (sic), segundo os slogans
consagrados, só se fala de "frente unida", de "união
nacional" e, sobretudo, de "frente popular". E com razão. A actual
burguesia francesa quer repetir a mesma estratégia política vitoriosa aplicada
pelo seu antecessor na década de 1930.
Esta é uma oportunidade para revermos o mito da Frente Popular, elogiado
durante quase um século pelos sucessivos governos, pelos meios de comunicação
social e pelo sistema educativo.
Para dissipar qualquer ambiguidade, é importante sublinhar o seguinte ponto.
Esta recordação histórica do papel contra-revolucionário da Frente Popular não
tem por objectivo elogiar o Rassemblement National ou absolver o governo
Macron. Os perigos e os crimes destas duas organizações políticas mafiosas,
racistas e sionistas são bem conhecidos.
A Frente Popular concede "migalhas" para que canhões e
metralhadoras possam ser fabricados com tranquilidade
A Frente Popular nasceu graças a um grande movimento grevista. Na Primavera
de 1936, uma vaga de greves maciças e espontâneas varreu a França.
Para a burguesia francesa, determinada a prosseguir sem entraves a
militarização do trabalho e o rearmamento do país para completar os seus planos
de guerra, estas greves inoportunas e vexatórias, que paralisavam a economia e
os preparativos para a guerra, tinham de ser definitivamente contidas.
A classe dirigente confiou à Frente Popular a tarefa de conter os
movimentos sociais e de amarrar a classe operária. O "sequestro
profissional" (supervisão sindical para acorrentar os operários ao chão da
fábrica e impedir qualquer acção grevista) e a subjugação ideológica (tendo
como pano de fundo o anti-fascismo) do proletariado começaram a 5 de Junho de
1936, com a formação de um governo da Frente Popular, uma união de partidos de
esquerda liderada por Léon Blum.
No entanto, a agitação social não diminuiu. A ansiedade era tal que o
Presidente Lebrun incitou Blum a apelar aos operários pela rádio:
"Dizei-lhes que o Parlamento vai reunir-se e que, logo que o faça, ireis
pedir-lhe que aprove leis (sociais) rapidamente e sem demora... eles
acreditarão em vós... e então, talvez, o movimento pare...". Leis sociais?
Para estabelecer a sua legitimidade e consolidar a sua autoridade, o Front
Populaire concedeu algumas "migalhas" em matéria social e salarial.
Estas "migalhas", descritas como uma "grande vitória operária"
pela esquerda capitalista, foram seladas pelos Acordos de Matignon.
No entanto, estes acordos foram rapidamente "abertos" e quebrados
pela classe dominante.
Os aumentos salariais foram reduzidos pela inflacção nos meses seguintes
(os preços dos géneros alimentícios aumentaram 54% entre 1936 e 1938).
A semana de trabalho de 40 horas foi denunciada e abandonada pelo próprio
Blum para apoiar os preparativos para a guerra. A partir de 1937, o número de
excepções à lei das 40 horas aumentou. Pior ainda, os empregadores
reintroduziram o trabalho à peça e a semana de trabalho de seis dias.
As duas semanas de férias pagas (80 horas) foram pulverizadas pela
supressão de vários feriados e pela recuperação de alguns outros feriados,
nomeadamente os dias de Natal e de Ano Novo, e outros feriados. Ou seja, mais
de 80 horas de trabalho suplementar extorquido, correspondendo exactamente a 2
semanas de férias pagas.
Na verdade, o único beneficiário dos Acordos de Matignon não foi outro
senão o capital nacional, agora serenamente investido no desenvolvimento da
economia de guerra e nos preparativos para a guerra, num clima de calma social
e com uma classe operária vinculada pelas suas organizações políticas e
sindicais subservientes à burguesia.
As medidas sociais de curta duração, concedidas tacticamente, facilitaram a
conquista e a conversão dos proletários aos novos métodos de produção infernais
destinados a armar rapidamente o país, graças, nomeadamente, à nacionalização
das indústrias de guerra.
O próprio Léon Blum o reconheceu no processo de Riom em 1942: "Apresentei um grande projecto de lei fiscal... que visa orientar todas as forças da nação para o rearmamento e que faz deste esforço intensivo de rearmamento a própria condição, o próprio elemento de um arranque industrial e económico definitivo. Afasta-se resolutamente da economia liberal e coloca-se ao nível de uma economia de guerra". Qualquer semelhança com a situação francesa actual seria mera coincidência!
Assim, se houve uma vitória, foi a do capital francês, que tinha amarrado o proletariado através da Frente Popular para resolver a sua crise económica da forma habitual (natural): a guerra imperialista. Durante esses anos negros (1936-1945), os operários franceses participaram tanto nos preparativos da guerra, através da sua feroz sobre-exploração, como na carnificina inter-imperialista no seio da Resistência, através do seu sacrifício.
A Frente Popular não inaugurou a era da paz, mas da preparação para a guerra
Para recordar, em 1937, o governo do Front Populaire, presidido por Léon Blum, autorizou a sua polícia a disparar sobre manifestantes reunidos em Clichy contra uma manifestação de extrema-direita, matando cinco pessoas.
No mesmo ano, a 26 de
Janeiro de 1937, L'Etoile Nord-Africaine é dissolvida em aplicação do
"decreto Régnier", que reprime as manifestações contra a soberania
francesa na Argélia. O decreto visava criminalizar todos aqueles que "em
qualquer lugar e por qualquer meio, incitaram os argelinos autóctones ou os
residentes na Argélia à agitação ou a manifestações contra a soberania
francesa, à resistência activa ou passiva contra a aplicação de leis, decretos,
regulamentos ou ordens das autoridades públicas". Isto faz lembrar, estranhamente,
a actual criminalização de qualquer pessoa ou organização que apoie o povo
palestiniano.
Além disso, contrariamente a uma ideia difundida pela historiografia francesa dominante, a Frente Popular de 1936 não encarnou a vitória dos operários, mas sim a do capital. Não inaugurou a era da paz, mas da preparação para a guerra total. Não concedeu plenos poderes aos operários, mas à burguesia belicista. Não consolidou as instituições de defesa profissional, mas as do Estado policial repressivo. Não foi uma vitória sobre o fascismo, mas uma rendição ao capitalismo militarista, o gémeo siamês do fascismo. Mais uma vez, qualquer semelhança com a situação francesa actual seria mera coincidência!
Sem dúvida, o Front
Populaire, celebrado alegremente há 88 anos por todas as instituições e
organizações políticas oficiais francesas, encarna a vitória da burguesia sobre
o proletariado, a integração da classe operária na "economia de guerra
anti-fascista" e a adesão total de toda a população à ideologia nacionalista
belicista.
Durante este período, marcado por uma crise económica e pelo aumento das tensões inter-imperialistas, foi sob a direcção do Front Populaire que o rearmamento da França foi lançado em grande escala, nomeadamente através da nacionalização das indústrias de guerra.
Durante este período, caracterizado pela orquestração de um virulento anti-fascismo promovido pela esquerda do capital sob o lema (já) "o perigo fascista está às portas do país", o maior "desempenho económico" da Frente Popular foi o desenvolvimento exponencial da improdutiva indústria de armamento.
A Frente Popular também se distinguiu pela expansão da ordem e da disciplina nas empresas e na sociedade, levando toda a população activa a concentrar todas as suas energias na defesa nacional e a fazer todos os sacrifícios pelo esforço de guerra.
Mais uma vez, qualquer semelhança com a situação francesa actual é mera coincidência!
Assim, a principal tarefa da Frente Popular, que tinha sido içada ao poder pelo capital, era alistar os operários nos preparativos para a guerra. E como é que o fez? Orquestrando o anti-fascismo. Com o fascismo designado como o "inimigo principal", o anti-fascismo tornou-se o cavalo de batalha da esquerda. O anti-fascismo, que estava muito em voga nos anos 30 (e continua a estar muito em voga actualmente), foi amplamente utilizado para unir todas as forças burguesas "democráticas" por detrás do emblema do Front Populaire, mas também para amarrar o proletariado à carruagem do Estado capitalista, que estava em vias de ser militarizado.
O regime fascista de Vichy nasceu do voto maciço dos deputados do Front Populaire.
Em nome do anti-fascismo e da "união sagrada", os partidos de esquerda foram responsáveis pelo desarmamento da militância e do espírito de luta dos operários, alistando-os ideologicamente na "defesa da pátria em perigo", num clima de histeria chauvinista. O "povo trabalhador" foi exortado a participar na unidade. No entanto, não se tratava certamente da unidade da classe operária, mas do controlo da burguesia sobre a classe operária. Como a actual "união das esquerdas governamentais", cuja missão é controlar e amarrar o proletariado francês.
Durante este período dominado pelo Front Populaire, foi sob o pretexto de defender as liberdades democráticas ameaçadas pelo fascismo que os proletários foram convidados a fazer sacrifícios para preservar os interesses económicos do país, a sacrificar as suas vidas na guerra em preparação.
Em todo o caso, o objectivo do anti-fascismo foi sempre o de associar os operários à defesa do Estado burguês. Com as campanhas chauvinistas levadas a cabo pela esquerda sob a bandeira do anti-fascismo, o proletariado é chamado a defender uma facção da burguesia contra outra, a apoiar o democrata contra o fascista, um Estado contra outro. Actualmente, é o Estado imperialista francês contra o Estado imperialista russo.
Apresentado como promotor da "sociedade do lazer" e construtor do "bem-estar" dos operários, o Front Populaire inaugurou, de facto, uma verdadeira política baseada na abundância... o pagamento de suor, lágrimas e sangue, que culminou nos anos 1940-1945.
Com efeito, a classe operária exalava suor dos seus corpos sobre-explorados para manter as fábricas em funcionamento, nomeadamente as fábricas de armamento. A classe operária francesa foi terrivelmente espremida sob o Front Populaire.
De facto, em vez do "pão, da paz e da liberdade" prometidos aos operários franceses pelos dirigentes da Frente Popular, os operários tiveram direito a armas (fabricadas em profusão), à guerra (em preparação) e ao despotismo, iniciado em 1938 e completado pelos nazis durante a Ocupação.
Para recordar, em 10 de Julho de 1940, foi a Câmara dos Deputados eleita em Maio de 1936, e portanto formada pela Frente Popular, que votou esmagadoramente a favor dos plenos poderes do marechal Pétain.
A maioria dos deputados da SFIO (precursora do PS) votou a favor dos plenos poderes, ou seja, a favor da instauração de um regime de extrema-direita. Por outras palavras, foram os mesmos dirigentes de esquerda que, durante toda a década de 1930, exortaram o "povo" trabalhador a lutar e a sacrificar-se para "impedir a vitória da extrema-direita" e "bloquear o caminho para o fascismo", que instauraram um regime fascista em França.
O regime de Vichy nasceu assim, legalmente, do voto maciço dos deputados de esquerda. Estes deputados socialistas e radicais levaram ao poder dirigentes dispostos não só a colaborar com o regime nazi vitorioso, mas também a suprimir as liberdades civis, a perseguir os opositores, a rever as naturalizações obtidas desde 1927 e a deportar judeus para os campos de extermínio.
Os dirigentes do Front Populaire mergulharam assim numa colaboração genocida com os nazis.
É esta "página da história" sinistra e
macabra do Front Populaire, símbolo do recrutamento ideológico do proletariado,
da caporalização dos operários e do condicionamento nacionalista de todo o povo
para o conduzir à guerra, que a classe dominante francesa liderada por Macron,
apoiada pela esquerda, está a tentar reabrir e reiterar.
Khider MESLOUB
Fonte: Retour historique sur le véritable visage du Front Populaire de 1936 – les 7 du quebec
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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