RENÉ NABA — Este texto é publicado em parceria com a www.madaniya.info.
Nos dias 6, 7 e 8 de Junho de 2024, realiza-se em Genebra uma conferência internacional para examinar as modalidades de criação de um Tribunal Internacional para a Palestina, segundo o modelo do Tribunal Russell para o Vietname.
Fundado em 15 de Novembro de 1966 pelo matemático Bertrand Russell, considerado um dos filósofos mais importantes do século XX, o Tribunal Russell examinou os abusos da intervenção americana no Vietname.
Cerca de sessenta personalidades - advogados, médicos, filósofos, historiadores, juízes, membros de ONGs informais da sociedade civil e activistas dos direitos humanos - participarão nesta conferência, que se descreve como um tribunal de opinião, "a voz dos que não têm voz".
A conferência realiza-se por iniciativa do Presidente do Instituto Escandinavo dos Direitos do Homem (SIHR), Haytham Manna, decano dos opositores democráticos da Síria, e das seguintes organizações: Centro para a Democracia e os Direitos Humanos, One Justice, União Internacional de Juristas (Genebra), Instituto Internacional para a Paz, a Justiça e os Direitos Humanos.
A conferência terá lugar no Centro John Knox, 27 Chemin des Crêts de Pregny/ 1218 Grand Saconnex- Genebra.
INSCRIÇÕES:
§ https://tribunalswatch.com/registration/
§ Contacto
telefónico: 0041767851585
§ E-mail:
tribunalswatch@gmail.com
Os temas da conferência estão incluídos no apêndice do manifesto fundador
desta conferência.
Sobre Haytham Manna, veja este link https://www.madaniya.info/2017/09/01/haytham-manna-le-paria-de-damas-ou-la-rectitude-en-politique/
Manifesto para um Tribunal Internacional sobre a Palestina. Tribunal
Mundial para a Palestina
Por Haytham Manna, colaborador: https://www.madaniya.info/ – Global Tribunal on
Palestine: https://tribunalswatch.com/
Assim que António Guterres tomou posse como Secretário-Geral das Nações Unidas, o órgão sob a sua autoridade - o Secretariado das Nações Unidas - ordenou a publicação de um relatório intitulado "Injustiça no mundo árabe e o caminho para a justiça", em cuja elaboração eu tinha participado em colaboração com um grupo de intelectuais e investigadores árabes, sob a supervisão da Dra. Rima Khalaf, Subsecretária-Geral e Directora Executiva da Comissão Económica e Social para a Ásia Ocidental (ESCWA).
Este relatório foi retirado do site Web da organização na véspera da sua publicação, em Dezembro de 2016.
Como se este escândalo não bastasse, um segundo relatório, da autoria de Richard Falk e Virginia Tilley, intitulado "Práticas israelitas em relação ao povo palestiniano e a questão do apartheid", foi igualmente retirado do site Web da ESCWA, na sequência de um pedido de Guterres à Dra. Khalaf para que o retirasse do site Web.
Com base nestes factos, a Dra. Rima Khalifa demitiu-se a 17 de Março de
2017.
Milhares de exemplares dos dois relatórios foram impressos e traduzidos em
muitas línguas internacionais. Tornaram-se uma das referências mais importantes
sobre o assunto. A sociedade civil mundial e os defensores dos direitos e da
justiça já não precisam do rótulo da ONU para fazer ouvir a sua voz.
Uma relação de forças desfavorável imposta pelo partido dos criminosos e
dos assassinos não pode reduzir-nos à inactividade.
A ausência de uma iniciativa para a criação de um tribunal civil
internacional de consciência faz-se sentir nos dias que correm. Não só para
registar os testemunhos e documentar as tragédias do "Holocausto do
século", mas também para levar a tribunal todos os culpados, por
negligência e cumplicidade do sistema jurídico internacional.
O dia 7 de Outubro de 2023 entrou para a história mais rapidamente do que
os seus iniciadores tinham previsto. A decisão do ocupante de retaliar com
represálias maciças e indiscriminadas e punições colectivas marcou o fim de uma
sequência histórica.
Uma época em que Jean-Paul Sartre se manifestava para evitar "atirar
os judeus ao mar", como defendia o filósofo francês antes da guerra de
1967... uma época em que os grandes jornais eram bombardeados com anúncios
pagos, chegando mesmo a recusar a François Mitterrand o direito de receber o
Presidente Yasser Arafat, com o argumento de que "as mãos (do líder
palestiniano) estão manchadas de sangue judeu".
Claude Lanzmann, companheiro de viagem de Jean Paul Sartre e chefe de redacção
de "Les Temps modernes", dedicou o resto da sua vida à realização de
um filme sobre a Shoah, como documentação histórica do Holocausto. Um
holocausto, recorde-se, em que não participaram árabes ou curdos, nem
muçulmanos, nem cidadãos do terceiro mundo. Claude Lanzmann realizou depois o
filme Tsahal, um elogio ao exército israelita, que descreveu em várias
entrevistas após a estreia do filme como "o exército mais moral do
mundo".
Hoje em dia, redescobre-se "Sob Israel-Palestina", o livro de
Ilan Halevi, o israelita que optou pela cidadania palestiniana e se tornou
representante da OLP na Internacional Socialista. Ao lerem este livro,
interrogam-se sobre a maior alteração da consciência pública mundial, de que o
povo palestiniano foi vítima e a grande vítima. O lobby sionista internacional
é agora obrigado a intervir aberta e descaradamente junto dos grandes órgãos de
imprensa internacionais para banir do seu vocabulário termos proibidos a todo
um povo, como "liberdade", "libertação nacional",
"direito à auto-determinação", etc.
Para além da nossa imensa dor perante esta tragédia, temos de reconhecer
que há um despertar de consciência e um desejo de justiça na Palestina entre os
povos jovens e livres do mundo, em diferentes continentes.
Quem poderia imaginar, há alguns meses atrás, que a pessoa que substituiria
o monge budista que se incendiou para protestar contra a queima de vietnamitas
com napalm, ou o tunisino Mohamad Bouazizi que abalou a ditadura tunisina,
seria desta vez um aviador militar americano que se incendiou em frente à
embaixada israelita em Washington?
Estamos a viver o fim de uma era; o fim de uma sequência em que a história
foi escrita pelos vencedores, na pura lógica do vencedor de uma guerra mundial;
vitorioso não só no sentido militar e económico, mas também no sentido moral e
ético, arrogando-se a definição do bem e do mal, designando os bons e os maus,
em particular os terroristas malvados.
É nosso dever reconsiderar todo o corpus da doutrina e do direito
internacional. Tudo o que foi imposto pela força aos povos do mundo, pelo
Conselho de Segurança da ONU, pelo uso do veto, pela NATO, pelos seus
objectivos declarados e latentes.
A questão palestiniana, neste contexto, é um exemplo flagrante das
injustiças e dos crimes cometidos, particularmente a forma como foram ocultados
por um sistema mundial que considerou a última expressão do sistema de
apartheid no nosso planeta como uma necessidade: "Se não existisse, seria
nosso dever criá-lo" (Joe Biden).
Está em jogo a justiça internacional
O termo "justiça internacional" foi amplamente utilizado no
século XX, a começar pelo "Tribunal Permanente de Justiça
Internacional", que acompanhava a Sociedade das Nações. Desde a sua
criação em 1920 e o início dos seus trabalhos em 1922, este órgão era composto
por juízes de Estados membros e não membros da Sociedade das Nações.
Reestruturado em 1945, foi-lhe dado o nome de "Tribunal Internacional de
Justiça", sendo o seu estatuto considerado parte integrante da Carta das Nações
Unidas.
Os tribunais internacionais criados pelos Aliados após o fim da Segunda
Guerra Mundial (os Tribunais de Nuremberga e de Tóquio) não estavam sujeitos às
regras de funcionamento do Tribunal Permanente de Justiça Internacional ou do
seu sucessor, o TIJ, mas sim à lógica dos países que tinham ganho a guerra. Em
todos os sentidos, eram tribunais militares, tribunais de excepção,
exclusivamente ao serviço dos países aliados.
Este comportamento unilateral dos "vencedores" foi o pecado
original da justiça mundial do pós-Segunda Guerra Mundial.
Com a criação do Conselho de Segurança e a concessão aos seus Estados
membros permanentes do chamado "direito de veto". O Conselho de
Segurança fez depender os poderes judicial, executivo e legislativo da
autoridade das potências detentoras do direito, ou seja, dos membros
permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, URSS, China, Reino Unido
e França).
Esta anomalia era evidente. Um dos casos mais evidentes e significativos
foi o caso dos Contras: o governo da Nicarágua acusou os Estados Unidos de
violarem o direito internacional ao apoiarem uma rebelião violenta e ao
explorarem os portos nicaraguenses durante a guerra dos Contras na década de
1980.
O TIJ decidiu, no seu veredicto de Junho de 1986, que os Estados Unidos
tinham "violado as suas obrigações ao abrigo do direito internacional
consuetudinário de não usar a força contra outro Estado", "de não
intervir nos seus assuntos", "de não violar a sua soberania" e
"de não interromper o comércio marítimo pacífico".
Os Estados Unidos recusaram-se a participar na maior parte dos
procedimentos. Logicamente, recusou-se a reconhecer a decisão do tribunal
internacional e, consequentemente, recusou-se a pagar indemnizações e sanções.
O governo nicaraguense remeteu então a decisão do tribunal para o Conselho
de Segurança, pedindo uma indemnização. Em Julho e Outubro de 1986, o Conselho
realizou dois debates sobre a questão da Nicarágua e aprovou duas resoluções
que aplicavam a decisão do Tribunal. Ambas as resoluções foram apoiadas por
onze votos, uma maioria sólida. Registaram-se três abstenções, incluindo o
Reino Unido e a França, que claramente não queriam votar contra o seu principal
aliado. Os Estados Unidos deram o único voto negativo: um veto. O veto recordou
ao Tribunal que tem um estatuto subsidiário no âmbito do regime de veto do
Conselho e, acima de tudo, que está sujeito à vontade do membro mais poderoso
do Conselho. A existência do veto limitava os poderes do Tribunal Internacional
de Justiça, nomeadamente em casos importantes e sensíveis que afectassem um dos
cinco membros permanentes (P5).
Nos anos 90, desenvolveu-se um vasto movimento internacional civil e
judicial a favor da criação de um tribunal penal internacional independente.
O Conselho de Segurança tentou controlar este movimento através da criação
de tribunais ad hoc na ex-Jugoslávia e no Ruanda. No entanto, o movimento a
favor de um Tribunal Penal Internacional ultrapassou estes sistemas judiciais
ad hoc.
Pela criação de um Tribunal Penal Internacional
Após anos de negociações para a criação de um tribunal internacional
permanente para julgar indivíduos acusados de genocídio e outros crimes
internacionais graves - como crimes contra a humanidade, crimes de guerra e
crimes de agressão - a Assembleia Geral das Nações Unidas convocou uma
conferência diplomática em Roma, em Junho de 1998, "para finalizar e adoptar
uma convenção que estabeleça um tribunal penal internacional".
A redacção final do preâmbulo do Tratado de Roma não podia deixar de reflectir,
por um lado, o equilíbrio de forças no seio da conferência, bem como as
manobras das delegações e, por outro, a necessidade de os partidários - ainda
que maioritários - do Tribunal Penal Internacional fazerem concessões para
chegarem a um consenso que permitisse ao Tribunal ver a luz do dia.
É o que se depreende da redacção do texto de criação do tratado, que se
situa num meio-termo entre os partidários de um tribunal fraco, sujeito ao
controlo do Conselho de Segurança e às realidades do sistema multilateral e do
equilíbrio de poderes que aí se opera, incluindo o "direito" de veto,
e os partidários de um tribunal forte, com amplos poderes e um elevado grau de
independência; esta última posição é também defendida pelas organizações não
governamentais.
Esta última posição é igualmente defendida pelas organizações não
governamentais. Analisando bem, verifica-se que aqueles que defendiam o primado
do Estado/Nação, que colocavam no centro dos seus argumentos e objecções, se
opunham, de facto, à ideia de criar um tribunal internacional promovido à
categoria de mais alta autoridade judiciária nos casos relativos a crimes
graves e trabalhavam para um tribunal desprovido de qualquer conteúdo prático,
No entanto, o desacordo dizia respeito a duas concepções divergentes da
ordem internacional;
Por outras palavras, entre, por um lado, os partidários da democratização
do sistema de relações internacionais, que pretendiam reformar a ONU (alargando
o número de membros permanentes do Conselho de Segurança), que consideram a
humanidade como uma entidade suprema superior aos Estados e às superpotências,
ou mesmo anterior a eles, e os adeptos da teoria do Estado-nação.
Um tribunal sitiado
Foi apenas nos últimos dias da Conferência Diplomática de Roma, em 1998,
que os redactores aceitaram que o Conselho de Segurança da ONU fosse autorizado
a intervir positiva e negativamente no exercício da jurisdição do Tribunal.
Essencialmente, o Conselho de Segurança foi dotado de um poder discricionário:
(1) Encaminhar situações para o Procurador do TPI para investigação também;
(2) Solicitar ao Tribunal que não abra ou continue uma investigação ou acção
penal por um período renovável de doze meses. A forma como esta relação
concebida entre o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o TPI se tem
desenrolado na prática tem suscitado sérias preocupações entre muitos Estados
Partes no TPI e suscitou recentemente propostas de reforma institucional.
Apesar da recusa de três Estados membros do Conselho de Segurança em aderir
ao Tribunal Penal Internacional, o Conselho tem desempenhado um papel
importante na política do Tribunal através do seu "direito" de abrir
grandes julgamentos e prender outros.
Melhor ainda, após o confronto aberto entre o antigo Presidente dos EUA,
Donald Trump, e o TPI, em Junho de 2020, o então Presidente dos EUA emitiu uma
ordem executiva que autorizava os EUA a congelar os bens do que descreveu como
o "tribunal canguru" dos funcionários do TPI, impedindo-os e às suas
famílias imediatas de entrar nos EUA.
Em Setembro de 2020, o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, afirmou:
Fatou Bensouda e outro alto funcionário do TPI, Phakisa Mochochoko, serão
sancionados ao abrigo desta ordem, e aqueles que "apoiam financeiramente
estes indivíduos também correm o risco de serem sancionados".
Mensagem recebida: o novo Procurador-Geral do TPI conhece muito bem as
linhas vermelhas do seu trabalho.
Esta rápida revisão é muito necessária para compreender a necessidade de um
tribunal independente, imparcial e soberano sobre a questão palestiniana, que
não é apenas uma questão popular e civil por direito próprio, mas também um
verdadeiro tribunal de supervisão para o TPI, o TIJ, mas também para a oligarquia
e o poder mundial no Conselho de Segurança da ONU.
Do Tribunal Bertrand Russell a um Tribunal Internacional sobre a Palestina
Em 1966, um grande filósofo britânico apelou à criação de um tribunal
internacional contra os criminosos de guerra no Vietname. Muitos filósofos,
juristas e personalidades aderiram a este apelo, que Russell justificou em
poucas palavras: "Se certos actos e violações de tratados são crimes, são
crimes quer os Estados Unidos os cometam quer a Alemanha os cometa. Uma regra
de conduta criminal contra os outros que não estaríamos dispostos a invocar contra
nós próprios". Russell, Sartre, Lelio Basso, Deutscher Dedijer, Günther
Anders e outros queriam "ressuscitar o jus contra bellum natimorto de
Nuremberga - a substituição da lei da selva por regras éticas e
jurídicas".
Os tribunais simbólicos floresceram neste século, e por uma boa razão:
estão a ocorrer acontecimentos intoleráveis em todo o mundo e as instituições
responsáveis pela acção - os tribunais, os Estados, a ONU - pouco ou nada
fazem. Cabe, portanto, aos filósofos, aos actores da sociedade civil, aos
juristas independentes e aos activistas políticos ultrapassar a sua impotência
face a esta situação e organizar as suas próprias intervenções sob a forma de
tribunais populares.
Tribunal Internacional para a Palestina
Ou a escolha entre o valor da Justiça e os vícios da Selvageria.
O Tribunal Internacional para a Palestina é um tribunal internacional de consciência cidadã a ser criado em resposta a pedidos da sociedade civil mundial (ONG, organizações de beneficência, sindicatos, organizações religiosas, filósofos, advogados e defensores dos direitos humanos) para investigar, informar e mobilizar a opinião pública e as instituições e decisores relevantes à luz das persistentes falhas no cumprimento do direito internacional no contexto dos direitos dos palestinianos.
O Tribunal examinará todas as provas que lhe forem apresentadas por qualquer fonte ou parte. As provas podem ser orais ou sob a forma de documentos materiais ou audiovisuais.
Nenhuma prova relevante para os nossos objectivos será recusada. O nosso objectivo é estabelecer, sem medo ou favor, toda a verdade sobre todas as violações dos direitos humanos e crimes maciços cometidos na Palestina desde 1948, a violação de todas as resoluções da ONU relativas ao povo palestiniano. Esperamos sinceramente que os nossos esforços ajudem a abrir os olhos das pessoas para a criação, ao longo das últimas décadas, de um sistema de apartheid apoiado e encoberto pelo sistema mundial dominante em declínio.
Hoje, precisamos urgentemente de construir estratégias dinâmicas de acção capazes de enfrentar as baleias das potências políticas e económicas mundiais entrincheiradas na frente do agressor israelita. Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de procurar um ponto de encontro entre mentes verdadeiramente pensantes e espíritos verdadeiramente livres, com fortes defensores dos direitos humanos e energias jurídicas, a fim de colocar a Palestina no centro dos desafios que enfrentamos actualmente. Quer sejamos historiadores ou filósofos, quer sejamos juízes ou advogados, quer sejamos juristas ou não. Cidadãos deste mundo...
É tempo de escolher entre o valor da Justiça e os vícios da Selvageria. Por mais dura que seja a relação de forças, devemos sempre lembrar que estamos no fim de uma era e que a construção do futuro começa hoje.
É possível construir um outro mundo, um mundo de justiça, de paz e de libertação dos povos oprimidos.
Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis
Júdice
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