sexta-feira, 14 de junho de 2024

Existe uma ameaça fascista em França?

 


 14 de Junho de 2024  Robert Bibeau 


Por Khider Mesloub.

 

Bis repetita non place! Os mesmos peões estão a ser usados para jogar o mesmo jogo novamente, sem nada em jogo política ou economicamente.

Nas eleições europeias, mais uma vez, a esperada eleição, de acordo com todas as sondagens, de vários candidatos do Rassemblement National para o Parlamento Europeu constitui uma oportunidade para a classe dominante francesa, em particular o governo Macron, levantar o espantalho do fascismo, demonizando a extrema-direita. Acima de tudo, oferece-lhe a oportunidade política de exortar os proletários a defender a democracia burguesa, votando nos candidatos ditos "republicanos", que encarnariam o campo do "Bem", segundo a bien-pensance (opinião pública – NdT).

Como em todas as eleições, nomeadamente em 2002, 2017 e 2022, a classe dominante francesa tenta arrastar o eleitorado para um falso dilema: democracia ou ditadura. No entanto, ao contrário das "mobilizações anti-fascistas" levadas a cabo no espírito da "frente republicana" em 2002, 2017 e 2022, desta vez a propaganda contra o suposto perigo da extrema-direita não teve o sucesso esperado. E por boas razões. A elevada taxa de abstenção esperada para as eleições europeias (cerca de 50%), associada às tensões e dissensões entre os "partidos do governo", terá quebrado esta pseudo-fascista... proto-fascista "Frente Republicana".

No fundo, será que existe um perigo fascista, como o martelam os meios de comunicação social a soldo?

Não há dúvida de que, ao contrário dos anos 1920 e 1930, apesar dos seus resultados eleitorais relativamente elevados, o partido de Marine Le Pen, o Rassemblement National, não é a única ameaça fascista. Por outro lado, uma coisa é certa: as classes populares estão a virar as costas à política, como o demonstra a forte subida do abstencionismo e o descrédito dos partidos tradicionais, para fazer regressar às urnas os eleitores desiludidos (que foram maltratados), Na ausência de um programa político verdadeiramente reformista para mobilizar as pessoas, a classe dominante francesa - que é globalmente protofascista - recorre frequentemente a uma campanha ensurdecedora para mobilizar o público contra o "perigo fascista", a fim de defender a sua corrupta democracia burguesa.Veja https://queonossosilencionaomateinocentes.blogspot.com/2024/06/de-social-fascistas-de-esquerda-social.html

É da maior importância recordar que a entronização de regimes fascistas no poder pela burguesia monopolista nas décadas de 1920 e 1930 ocorreu após o esmagamento do movimento operário, em países que tinham saído derrotados da Primeira Guerra Mundial e humilhados por tratados desfavoráveis e reparações de guerra exorbitantes. A implantação de regimes fascistas foi sobretudo encorajada pelo apoio financeiro e logístico do grande capital alemão, italiano, japonês e mesmo americano...

Além disso, o aparecimento de regimes fascistas correspondeu às necessidades do capital desses países, agora empenhado numa economia de guerra, na militarização do trabalho e na concentração de todos os poderes num Estado despótico, expurgado de todas as dissensões e rivalidades no seio da burguesia (pequena, média e grande), bem como numa sociedade totalitária fechada em si mesma, com o objectivo de preparar uma nova guerra mundial para a partilha e distribuição imperialista do mundo...

Concordamos com a descrição acima das condições económicas, sociais, políticas e ideológicas que lançaram as bases do militarismo e do fascismo entre 1920 e 1933 na Europa, na América e na Ásia.  Observamos que as mesmas condições objectivas e subjectivas prevalecem hoje em todos os continentes. A classe operária é ainda mais derrotista do que era naqueles anos.  Acreditamos, portanto, que a ameaça do poder político fascista, impulsionado por várias facções do grande capital mundializado do Ocidente e do Oriente, está em marcha e que as eleições europeias e as eleições legislativas francesas são marcos importantes. Os fantoches políticos não precisam de usar botas e bonés militares para serem reconhecidos como tiranos fascistas... pelo contrário. Todos os partidos políticos burgueses que disputam o controlo do barril de carne suja do governo em lutas eleitorais são as sementes do militarismo fascista ao serviço do grande capital monopolista.

Tal como o estalinismo, outro purulento resultado totalitário do fracasso da Revolução Russa, os regimes fascistas, que surgiram em países que tinham sido criados tardiamente e imperfeitamente integrados no capitalismo, foram a expressão brutal da inclinação histórica para o capitalismo de Estado (que agora se tornou a norma governamental em todos os países).

Assim, contrariamente à ideia errónea comummente difundida pela historiografia e pelos meios de comunicação social, o fascismo não foi engendrado por um racismo étnico ou sociológico, mas foi democraticamente gerado pela Primeira Guerra Mundial, associada à dissolução da luta de classes no nacionalismo belicista propagado como uma epidemia pestilenta contagiosa pelas classes dominantes.

Em contrapartida, o colonialismo, nomeadamente o colonialismo francês, é consubstancialmente racista. O fascismo - e o nazismo - podem ser vistos como o colonialismo das nações pobres sem impérios. Não tendo conseguido escravizar as populações estrangeiras através do colonialismo, para as explorar e pilhar as suas riquezas, estes Estados lançaram-se numa política de subjugação das suas populações autóctones.

Em todo o caso, o fascismo não emanou da pequena burguesia oprimida, amarga e odiosa, levada ao empobrecimento pela crise. Foi obra da grande burguesia revanchista de certos países, num contexto histórico específico. No entanto, tanto a pequena burguesia como o proletariado foram utilizados pelas formações políticas fascistas para reorganizar a sociedade e a economia numa perspectiva fundamentalmente militarista... a fim de relançar o ciclo de acumulação capitalista.

Hoje em dia, o Rassemblement National, como todos os partidos políticos burgueses, não tem um "programa económico" inovador, unificador e salvador. Pior ainda: no contexto da mundialização actual e da União Europeia, certas propostas económicas são totalmente inaplicáveis do ponto de vista dos interesses do capital nacional francês. A sua aplicação conduziria a um colapso imediato da economia nacional, já muito enfraquecida. Na verdade, nenhum empresário consciente poderia subscrever o programa económico fantasista e autárquico da extrema-direita... ou da esquerda.

Tanto mais que, ao contrário dos partidos fascistas belicosos e voluntaristas dos anos 20 e 30, a extrema-direita contemporânea não oferece nenhuma opção de conquista imperialista tentadora, susceptível de galvanizar as multidões, de inflamar o apetite financeiro dos patrões em busca de novos mercados coloniais exclusivos, de uma nova repartição imperialista do mundo. Hoje em dia, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esta "missão imperialista" é levada a cabo directamente pelos Estados ditos democráticos ou classicamente ditatoriais: os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, a URSS (actual Rússia), a China, etc.

É verdade que, nas últimas duas décadas, nomeadamente na Europa, vários partidos populistas de extrema-direita conquistaram democraticamente o poder. Mas fizeram-no à custa de renegarem o seu programa económico, ou seja, convertendo-se ao ultra-liberalismo e ao europeísmo; à custa de varrerem e afundarem a sua ideologia nauseabunda. Foi o caso da FPO austríaca de Haider, que teve de moderar o seu programa para poder assumir responsabilidades governamentais. Muito antes da FPO austríaca, o MSI de Fini, em Itália, tinha repudiado a sua ideologia fascista para abraçar o dogma liberal e europeísta. E a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, líder do partido Fratelli d'Italia. O mesmo se passa com o Rassemblement National, que se tornou um partido "republicano", pertencente à direita nacionalista clássica. Aliás, neste período de tensões inter-imperialistas e de marcha forçada para a guerra total, o Rassemblement National é o único partido, nomeadamente no que se refere ao conflito russo-ucraniano, a defender uma solução pacífica.

Esquece-se frequentemente que a condição histórica sine qua non para a entronização do fascismo no poder é o esmagamento político prévio do proletariado pelo Estado burguês. No entanto, o proletariado francês (europeu, ocidental), longe de estar derrotado e quebrado, está, pelo contrário, triunfante e combativo, como demonstrou durante o movimento dos Coletes Amarelos.

Embora reconhecendo a luta corajosa dos proletários franceses contra o saque das pensões e dos Gilets jaunes contra o saque das condições de vida, não acreditamos que o proletariado internacional esteja actualmente numa fase ascendente do seu movimento internacional.  No entanto, ele virá.

Tendo em conta estas considerações sociológicas e políticas contemporâneas, desfavoráveis ao capital que poderia ser tentado pela opção do fascismo, o perigo do ressurgimento de regimes fascistas, que é agitado como um espantalho pelos media franceses, é praticamente impensável. Isto porque a emergência dos partidos populistas contemporâneos se insere num contexto histórico radicalmente diferente do dos anos 1920 e 1930. O actual recrudescimento das ideologias populistas ilustra a degenerescência do capitalismo, marcada pela desintegração do laço social, pela anomia, pelo desencanto, pela insegurança profissional e urbana, pelo êxodo provocado pelas guerras sangrentas e pelos fluxos migratórios provocados pelo empobrecimento generalizado. Não a inauguração do fascismo.

Para qualificar as minhas observações, gostaria de acrescentar o seguinte: se há uma inauguração do "fascismo" (mais precisamente, da viragem totalitária e militarista) neste momento, é obra directa dos governantes europeus atlantistas, e não de liliputeanos partidos populistas.

 Se uma viragem "fascista" (totalitária) é perceptível em vários países europeus, nomeadamente em França, cujo governo está empenhado numa "economia de guerra", na militarização da sociedade e do trabalho e na concentração de todo o poder num Estado policial repressivo, é directamente obra de governos e Estados ditos "democráticos". (sic)

O sociólogo Ugo Palheta define o fascismo da seguinte forma: "A vitória do fascismo é o produto conjunto de uma radicalização de sectores inteiros da classe dominante, por medo de que a situação política lhes escape, e de um enraizamento social do movimento, das ideias e dos afectos fascistas". 

Não é a isso que estamos a assistir em França? À radicalização da classe dirigente francesa, representada pelo belicista Macron, fiel apoiante do Estado fascista de Israel, que trava uma guerra genocida contra o povo palestiniano, e ao enraizamento progressivo das ideias e dos afectos "neo-fascistas" (totalitários), destilados directamente pelo Estado e pelos seus aparelhos ideológicos em todas as camadas da sociedade francesa, e não pela Frente Nacional, desprovida de qualquer poder político, económico, institucional ou mediático... mas apoiado por uma franja crescente e revoltada do grande capital bilionário francês.

A verdade é que o fascismo, no sentido original e político do termo (tudo pelo Estado e tudo para o Estado), e não no sentido ideológico e racial demasiado utilizado, já está no poder no Eliseu: o decreto 49.3, o Conselho de Defesa, o domínio do terror policial, a militarização da sociedade, encarnam este totalitarismo actual.

Para que conste, o fascismo não é sinónimo de racismo. Pelo contrário, a democracia burguesa ocidental sempre foi sinónimo de racismo (a época da segregação racial dos negros institucionalizada pela América democrática, que ainda hoje subsiste), de racismo de classe (desprezo pelo proletariado); sinónimo de racismo colonial (a época recente da colonização da Argélia pela França democrática, que ainda hoje subsiste).

Através de uma operação de inversão acusatória e de manobra de diversão, o "perigo fascista" suscitado pelo governo e pelos meios de comunicação franceses esconde, no entanto, um poderoso adjuvante para amolecer a consciência de classe do proletariado, diluído na defesa da "democracia" totalitária burguesa.

Este perigo é utilizado como um espantalho pela decadente classe dominante francesa para desviar a raiva social para um fantasmagórico inimigo "fascista". Ou melhor, o inimigo existe de facto, mas espreita nas sombras institucionais, posicionado onde a maioria da população, cega pelo seu condicionamento ideológico, não o consegue perceber ou recusa-se a admiti-lo: no interior das instituições do Estado francês tiranicamente radicalizadas ou já radicalmente tirânicas, postadas também no topo do poder actualmente representado pelo "governo franco-atirador" macronista, um governo abertamente imperialista, belicista e racista, com o "dedo policial e militar" no gatilho e a "cabeça do governo" movida por projectos políticos fundamentalmente destrutivos e planos económicos socialmente genocidas.

Khider MESLOUB

 

Fonte: En France, y a-t-il péril fasciste en la demeure ? – les 7 du quebec

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice




 

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